Adonias, geração Y

igrejadobosque

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27 de August de 2019

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Adonias estava feliz, porque tinha acabado de ser admitido no processo para trainee do reino de Israel. Há meses que sonhava com isso. Ao todo, foram 17 etapas, incluindo dinâmica de grupo, painel com o gestor, entrevista com o RH e até a gravação de um vídeo no qual falava de seus três pontos fortes, três pontos fracos e últimas realizações. “Sou proativo, dedicado e criativo. Meus defeitos? Deixe-me ver. Ah, sim, é terrível. Sou muito perfeccionista, ambicioso (quero sempre mais, sabe, é uma obsessão, nunca me contento com pouco) e um pouco ansioso”, ele listou. Falou do intercâmbio na Califórnia.

Quando soube da aprovação, viu um filme diante dos olhos. Circularia ostentando o crachá do reino pendurado no peito. Iria usá-lo para guardar a mesa para si e os colegas na hora do almoço. Faria reuniões, apresentações, powerpoints, conference calls. Seria o máximo. Teria dinheiro, bancaria mais festas do que quando ganhava apenas a mesada. E, claro, tinha o plano de carreira. Eram as três palavras mais belas que ele já tinha ouvido. E, talvez, ser o filho de ninguém menos que o rei pudesse significar um caminho bem mais suave e rápido.

Adonias tinha certeza de muita coisa, inclusive de si mesmo. O significado de seu nome não era “eu abalo geral”, mas ele agia como se fosse. Conseguir o sempre o melhor era um hábito. Na escola e na faculdade, não havia professor que resistisse a ele. Quando ia bem, dava um jeito de que todos os colegas soubessem. Quando ia mal, argumentava até conseguir o que queria. Quando ia muito mal, seu pai era amigo do reitor e sempre fazia generosas doações para o diretório acadêmico.

 

Desde criança, sempre preencheu o tempo livre. Idiomas, violão, esportes. Mas quando não estava afim, os pais diziam que tudo bem. Eles sempre diziam isso. Quando ele batia em alguém menor e mais fraco na escola – “mas essa criança é levada mesmo, vem cá, deixa eu lhe fazer umas cócegas, seu danado, não faça mais isso”. Quando ele não ajudava a lavar a louça depois da janta – “tudo bem, criança tem é que brincar muito”. No dia em que ele foi pego colando – “meu filho jamais faria isso, aquele mau elemento é que pediu cola e está querendo prejudica-lo”. “Seu pai nunca havia o contrariado; nunca lhe perguntava: “por que você age assim? (I Reis 1.6)”

 

Adonias tinha boa aparência. Papai sabia disso. Tinha fotos dele espalhadas por toda parte. Aqui, uma do campeonato de natação. Ali, a primeira vez que usou a privada. Acolá, um registro do “olha só que lindinho, perdeu o décimo sexto dentinho de leite”. Cinco fotos por dia no Facebook, outras compartilhadas no grupo do Whatsapp. E papai nunca fazia críticas, porque podiam limar o potencial do filhão. Era sempre “bom trabalho”. Nada precisava ser melhorado, tudo era lindo, perfeito, muito melhor que o das outras crianças.

 

O tempo passou e, depois de um ano de empresa, Adonias ainda era trainee. Como era possível? Sua expectativa era a de que, a essa altura, fosse no mínimo gerente. Afinal, ele era melhor que os colegas de trabalho (seus irmãos, no caso). Tinha um desempenho muito superior sem nem mesmo ter que trabalhar a mesma quantidade dos pobres mortais. Chegava às 11h, ia almoçar às 12h, voltava 13h50 e saía às 18h. E, mesmo assim, tinha certeza de que conseguia ser mais criativo, bonito, produtivo e bem vestido do que, por exemplo, Salomão, que dava um duro danado e era muito bem visto pela diretoria.

 

Certo dia, depois de mais uma boa avaliação de desempenho, mas com algumas observações que ele chamou de “ressalvas desnecessárias” (disseram que ele tinha de ser mais pontual, menos individualista, mais humilde e mais disposto a trabalhar em equipe), Adonias chegou à conclusão de que precisava tomar uma atitude que mudasse sua história de carreira. Então ele chamou a meia dúzia de colegas que ainda não tinham se cansado dele e anunciou: “eu serei o rei.”

 

Sabemos como a história termina. Que o Senhor nos dê sabedoria para criar filhos que tenham consciência exata de quem são, de suas forças e limitações. Que saibam experimentar o doce e o amargo da vida, aproveitando ao máximo o que cada sabor tem a ensinar.

 

“Ora, Adonias, cuja mãe se chamava Hagite, tomou a dianteira e disse: ‘Eu serei o rei’. Providenciou uma carruagem e cavalos, além de cinquenta homens para correrem à sua frente. Seu pai nunca o havia contrariado; nunca lhe perguntava: ‘Por que você age assim?’ Ado­nias também tinha boa aparência e havia nascido depois de Absalão.” I Reis 1.5, 6