Diante da urna

igrejadobosque

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27 de August de 2019

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Quando chegarmos diante da urna eletrônica no dia 5 de outubro, teremos passado por um turbilhão e tanto. Conheço poucas metáforas ligadas à natureza, mas pode-se dizer que os últimos meses foram uma enchente, uma avalanche, uma chuvarada de monções repleta de debates e informações sobre tudo o que envolve a corrida eleitoral.

Além, claro, dos candidatos e adeptos de cada partido se estapeando pública e virtualmente, um tema em específico teve uma repercussão razoavelmente maior do que os demais. A relação entre política e religião e o voto dos evangélicos já é um tema antigo, mas, se a memória não me falha, nessa eleição a coisa ganhou proporções inéditas.

São várias as razões para essa maior projeção do tema, mas creio que as principais cabem nos próximos dois parágrafos. Primeiro, o eleitorado evangélico engordou bastante nas últimas duas décadas. Nenhum candidato é tão insano ou ingênuo a ponto de dar-se o luxo de ter essa massa tão valiosa de votos distante de si. Infelizmente esse fato tem resultado em uma onda gigantesca de promiscuidade ideológica e política, tanto por parte dos políticos quando dos eleitores evangélicos. Mas essa não é a pauta da semana.

 

O segundo motivo é o fato de termos, pela primeira vez em décadas, um candidato evangélico com reais chances de ser eleito. É inevitável que isso desperte a curiosidade da mídia, da classe política e da população como um todo. Os evangélicos, de modo geral, são conhecidos por terem valores morais que os distinguem de outros grupos. Obviamente, resulta daí um atrito entre os interesses dessa classe e os das demais. E atrito, como se sabe, sempre produz calor. Mas também não está aí a pauta da semana.

 

Mas então que raios de pauta é essa que, em quatro parágrafos, não se fez clara? Pois bem, queria expressar um pouco do que entendo serem princípios valiosos para se ter em mente ao apertar os botõezinhos da urna eletrônica em outubro (considerando que você não pretende votar em Elis Regina ou Machado de Assis).

 

  1. Religião e Política

 

Começo concordando com o sociólogo cristão e autor de vários livros sobre a relação entre política e religião Paul Freston quando ele diz que esses dois temas combinam, sim! Já Igreja e Estado deveriam ser como água e óleo. Explico com um exemplo: já ouvi algumas vezes que um cristão não deveria cursar a faculdade de Direito. A razão seria o fato de que “trata-se de uma carreira cheia de corrupção, muita sujeira”, dentre outras. Entendo que essa não poderia ser uma opinião mais equivocada. Consegue citar alguma razão pela qual você não desejaria ter um advogado cristão? Eu não consigo. Seria ótimo saber que o advogado que vai me defender, ou defender qualquer outra pessoa, tem os valores que Cristo considera importante que tenhamos: honestidade, transparência, senso e sede de justiça.

 

O mesmo vale para um político. Se alguém subir ao poder para governar o meu país representando o povo, como cristão, desejo que ele seja justo, honesto, equilibrado. Que ame a Deus se empenhe em defender os direitos de todas as pessoas sem distinção alguma. Que se dedique em tornar a vida de quem é perseguido (ou das minorias) mais fácil. Na verdade, tão fácil e digna quanto já é a das “maiorias”. Que seu objetivo de vida e carreira seja demonstrar amor e justiça acima de quaisquer suspeitas. Que tenhamos mais políticos, advogados, médicos, jornalistas cristãos! Seria ótimo.

 

  1. Igreja e Estado

 

Depois de ler e refletir muito sobre um assunto que, definitivamente, não é o meu forte (talvez seja meu ponto mais fraco), concluí que não penso da mesma forma quando o assunto é a combinação entre Igreja e Estado. Não consigo encontrar nas Escrituras quaisquer indícios de que Deus tenha incumbido a Igreja de uma função de governo. A função da Igreja é profética. Ela foi colocada no mundo como uma lâmpada (quem gosta dos termos mais próximos dos originais vai pensar em “candeeiro”) para irradiar a luz de Jesus Cristo e ser testemunha da mensagem do Evangelho da graça de Deus. É inerente a esse processo importar-se com as vidas das pessoas, a sociedade e o meio-ambiente. Mas não governar. E, cá entre nós, a Igreja de Cristo vive dias tão apáticos que cambaleia para exercer sua função primordial. Que dirá acumular tarefas.

 

Além disso, proponho um exercício muito simples, grosseiro até, aos que acreditam que seria papel da Igreja governar, ou que a integração entre Igreja e Estado é legítima. Como você, que é cristão, se sentiria se um muçulmano subisse ao poder e determinasse que você deveria se curvar diante de Alá e seguir os ensinos de Maomé? Como seria se seus filhos fossem obrigados a, na escola, ter 50 minutos semanais de exposição compulsória aos versículos do Alcorão? E se um judeu fosse eleito presidente e, de um dia para o outro, você tivesse que comprar uma edição da Cabala? Ou se o próximo líder fosse de alguma religião africana e, antes de começar a trabalhar, você tivesse de ser submetido a uma sessão de descarrego, para tirar o mau olhado? Quando se brinca de misturar religião e Estado acontecem coisas como a decapitação de jornalistas que, sem censura, é filmada e chega ao Youtube. Ou como o que acontece, por exemplo, na Eritreia, país em que cristãos são aprisionados em contêineres e deixados lá por dias, para cozinharem até a morte.

 

Nem sempre pensei assim, mas aprendi que uma nação não é considerada cristã quando alguém sobe ao poder e diz “de agora em diante, somos cristãos”. Isso jamais poderia resultar em uma coisa boa. O imperador romano Constantino determinou que o cristianismo seria a religião oficial do Império. O resultado foi que a maioria das pessoas sob o domínio romano se tornou cristã por conveniência, ou necessidade, mas poucas o fizeram por desejo sincero. Não fosse isso e talvez tivéssemos um cristianismo bem menos impregnado de coisas erradas do que temos hoje.

 

Uma nação se torna cristã quando todos os seus cidadãos aceitam seguir a Jesus Cristo. Não sei se esses são os planos de Deus para o Brasil e, francamente, não é da minha conta. Tenho que me preocupar em viver de modo digno e cumprir fielmente a vocação à qual fui chamado. O que inclui, sem dúvida, estar bem consciente e informado e minimamente preparado para conversar e opinar sobre as coisas que a sociedade da qual faço parte considera importante. A eleição é uma delas.

 

Meu papel é chegar diante da urna sabendo bem quem é a pessoa que estou prestes a escolher como minha representante. Ter certeza de que ela respeita invariavelmente os dois princípios sobre os quais discorri acima. Que meu escolhido respeite o segundo princípio e se aproxime ao máximo do caráter descrito pelo primeiro, independente de qual seja sua fé. E, é claro, também é meu papel pedir a direção de Deus ao fazer isso, sem medo de ser taxado de fundamentalista. Porque, como já afirmei em outras ocasiões, se crer na intervenção real de um Deus real no universo que está sob sua autoridade é ser fundamentalista, então, terei de acrescentar o termo ao meu sobrenome.